
Antes de qualquer consideração sobre o jogo de Turim, devo dizer que estou chocado com a vergonhosa campanha mediática que visa tirar Bruno Lage do Benfica. Também haverá benfiquistas que não gostam dele, mas estou em crer que a esmagadora maioria dos sócios e adeptos do clube, ou pretende expressamente que ele continue a dirigir a equipa (e eu sou, sem hesitar, um desses), ou, pelo menos, não acha que os problemas se resolvam com uma mudança no comando técnico. Não é, pois, dos adeptos do clube, ou da maioria deles, que parte a contestação a Lage: é mesmo de um conjunto de "jornalistas" (predominantemente anti-benfiquistas) que não descansa enquanto o Benfica não tiver o seu "João Pereira". Afirmar-se e escrever-se que a continuidade do treinador no Benfica dependia deste jogo, é (ou foi) terrorismo comunicacional, com o intuito mal disfarçado de virar os adeptos contra o técnico, caso a equipa perdesse no estádio de um clube com enormes pergaminhos internacionais e com um orçamento muito superior a qualquer emblema português - coisa que podia naturalmente acontecer, sem que a terra deixasse de ser redonda.
Lage comunica mal (como Jesus, Schmidt e tantos outros). Fala demais nas conferências de imprensa, expõe-se a perguntas às quais não devia sequer responder, e, pelo que se (ou)viu, expõe-se também a alguns "adeptos" a quem não tinha de dar satisfações (sendo de salientar o serviço prestado ao clube pelo "exigente" que gravou e difundiu o audio, talvez amigo do outro que apedrejara o autocarro da equipa em 2020). Ora a comunicação externa (e é desta que falo, pois a interna não conheço) alimenta o debate mediático, mas não faz ganhar jogos, não passando, quanto a mim, de um detalhe na avaliação global a um treinador. Quique Flores, por exemplo, e recorrendo às sábias palavras do saudoso Medeiros Ferreira, fazia grandes exibições nas conferências de imprensa. Como se sabe, não foi exemplo a seguir. E em tudo o resto (sagacidade táctica, liderança, gestão de grupo, leitura e conhecimento do jogo e dos adversários, performance física, etc), Lage, não sendo um Guardiola ou um Ancelotti, é um excelente técnico, que acrescenta qualidade ao futebol do Benfica, é capaz de potenciar o rendimento dos jogadores, e até de contrariar alguns problemas estruturais que o clube lhe coloca - como colocou aos que o antecederam no cargo, e aos quais já aqui fiz referência.
O jogo foi espectacular (mais um). A primeira parte podia ter terminado com um resultado de 1-4, ou coisa parecida. Se dúvidas havia sobre a união da equipa, sobre a sua vontade de vencer, elas foram dissipadas logo no primeiro minuto, ao fim do qual os encarnados já haviam criado duas boas ocasiões para marcar. O golo apareceu, e outros podiam ter aparecido. Temia-se que o desperdício viesse a cobrar o seu preço na segunda metade.
A Juventus de facto melhorou, e em certos momentos o Benfica teve de saber sofrer - nunca deixando de procurar, aqui e ali, a baliza de Perin. Desta vez as substituições resultaram, e na verdade, com elas, Lage matou o adversário e o jogo. A ponta final voltou a ser em tons de vermelho vivo, surgindo com naturalidade o 0-2. Globalmente a vitória foi justíssima, e a exibição bastante prometedora.
Em termos individuais destacaria Pavlidis (que parece ter outra cara nos jogos da Champions, e já leva mais golos europeus do que no campeonato português), Florentino, Aursnes (de regresso à sua melhor condição, e também à sua grande versatilidade), e Otamendi. Bah foi uma adaptação feliz, acabando por ter participação determinante no primeiro golo, e fechar muitas vezes a porta a Francisco Conceição - o mais inconformado jogador da Juventus.
Ao contrário da jornada anterior, desta vez o árbitro nem se viu.
Enfim, depois de grandes espectáculos de futebol (este, bem como os jogos com Atlético e Barça), com três vitórias fora de casa em quatro deslocações, o Benfica conseguiu o merecido apuramento. Fica uma pequena mágoa ao verificarmos que uma simples vitória na Luz sobre o Feyenoord teria permitido entrada directa na elite dos Oitavos-de-final. Fica também a evidência de que uma derrota em Turim teria ditado a eliminação. No meio está a virtude, e agora, enquanto cabeça-de-série no playoff, ainda há caminho para chegar um pouco mais além, pois tanto Mónaco como Brest estão longe de ser adversários inultrapassáveis.
Para já, é preciso ganhar na Reboleira. Como Bruno Lage tem dito recorrentemente, falta a esta equipa conseguir a consistência. Se jogasse sempre como nesta noite, seria certamente campeão nacional. Talvez ainda vá a tempo.
PS: Entendo a conferência de imprensa de domingo, assim como as declarações de Rui Costa no fim deste jogo, como tentativas bem intencionadas de encerrar o assunto dos audios. Eu teria seguido outro caminho: um comunicado lacónico e os "jornalistas" que se entretessem a discutir entre eles. Infelizmente, no mundo em que vivemos, ser franco e genuíno paga-se caro. E o Benfica tem demasiados motivos de queixa da comunicação social para que lhe continue a prestar qualquer tipo de vassalagem. Aos adeptos comunica-se com golos, vitórias e títulos. Para falar, já há gente que chegue.