
Artur Jorge está longe de ser uma figura consensual entre os benfiquistas. Da minha geração em diante - os que já só o conheceram como treinador - é visto como aquele que deu títulos ao FC Porto e arrasou um plantel campeão no Benfica.
Mas manda o rigor separar o seu percurso em três fases. E na primeira, enquanto jogador, foi ponta-de-lança titular e goleador de um dos melhores Benficas de sempre, ao lado de Eusébio, marcando mais de 100 golos de águia ao peito (18º melhor de todos os tempos), conquistando quatro campeonatos e duas taças em seis temporadas. É esse Artur Jorge que quero guardar, não tanto na memória, porque não me lembro dessas épocas, mas no lugar que ele merece na história do clube e do futebol.
É preciso dizer também que, enquanto treinador do FC Porto, sempre se distinguiu pela cordialidade, e pela elevação moral e intelectual. Não tenho presente nenhuma declaração desrespeitosa para com os adversários, e isso permitiu-lhe, também, chegar mais tarde ao comando técnico dos encarnados.
Aí, as coisas não correram bem.
Na primeira temporada esteve doente e ausente por um longo período, não conseguindo domar um plantel com características muito diferentes daquelas que tinha encontrado no FC Porto. Deram-lhe carta branca para mudar o que quisesse a seu bel-prazer, mas depois, não só não houve dinheiro para consumar a revolução encetada (contratando substitutos à altura), como não houve tempo para mostrar o resultado das suas decisões, sendo despedido logo no começo da segunda temporada - quando já haviam sido dispensados, entre outros, Neno, Abel Xavier, William, Mozer, Veloso, Vítor Paneira, Isaías e César Brito. Em poucas semanas, o Benfica viu-se privado de um balneário campeão, que sobrevivera até a incumprimentos salariais, e também do treinador que decidiu "limpá-lo". As consequências são do conhecimento de todos.
Não o isento de responsabilidades, mas não me parece que tenha sido ele o único (nem mesmo o principal) culpado dessa situação, quando o clube vivia um contexto de desorganização geral e aflitiva falta de meios financeiros. E até consigo perceber o que tentou fazer: um Benfica à imagem do FC Porto rigoroso, defensivo, combativo, agressivo e carrancudo com quem tinha conquistado os títulos. Acontece que a cultura dos dois clubes era, e é, muito diferente, em Lisboa já não tinha as ajudas fora do campo que tivera a Norte, e a estrutura do Benfica estava totalmente desorientada e descaracterizada, não lhe dando o suporte de rectaguarda de que tão drásticas mudanças careciam. Não há contraditório histórico possível para se saber o que poderia ter acontecido se: 1) tivesse continuado o seu trabalho no Benfica, que mais não fosse para depois arcar com todas as responsabilidades, 2) tivesse sido despedido antes da limpeza de balneário que levou a cabo. Infelizmente, não aconteceu uma coisa nem outra, e tivemos o pior dos mundos.
Daí para a frente a sua carreira tornou-se errática e pouco significativa. Esgotou-se, como acontece com muitos treinadores (veja-se Mourinho, veja-se Jesus).
Em suma, para o bem e para o mal, Artur Jorge foi uma grande figura do futebol português, e uma figura da história do Benfica. Por mim, fico com o goleador da primeira metade da década de setenta.
Condolências à família, e eterno descanso.