Disse aqui num dos últimos textos que o principal problema do futebol português não era, nos dias de hoje, a arbitragem.
No meu ponto de vista, apesar de toda a algazarra mediática em torno dos erros dos árbitros - muito potenciada por anos e anos de resultados adulterados e suspeição generalizada -, aquilo que mais tem tirado beleza aos espectáculos, que mais cinzentismo lhes tem creditado, é sem dúvida a ausência de público nas bancadas dos estádios. Seja à noite, seja de dia, seja ao domingo ou ao sábado, o que é certo é que as pessoas deixaram de ir aos estádios em Portugal, constituindo as bancadas vazias, lamentavelmente, uma das imagens de marca do nosso futebol.
Estive a consultar as assistências desta temporada, e é dramático perceber que, à excepção dos três grandes - e do caso particular do Vitória de Guimarães - os estádios portugueses registam uma média que não andará longe (contas por alto) dos dois ou três mil espectadores por partida. Tendo em conta que temos vários estádios com lotação para quinze, vinte e trinta mil pessoas, o panorama das bancadas torna-se invariavelmente desolador, algo que se não vê, não só em Espanha, Inglaterra, Itália, mas também na Holanda, na Bélgica, em França, na Grécia, na Turquia ou na Escócia, ou em todos os países nos quais o futebol tenha um impacto desportivo e social relevante.
Mesmo nos jogos em que participam os grandes clubes, a situação está muito longe de ser minimamente razoável. Assistiram, por exemplo, ao Nacional-Sporting 1.875 pessoas, ao Paços de Ferreira-Porto 2.689, e no mesmo estádio, a visita do popular Benfica não mobilizou mais de 3.016 espectadores, mesmo jogando-se, neste caso, a um dos primeiros dias do mês. Já nesta última jornada, o comandante isolado da Liga, com uma brilhante campanha nacional e internacional, não levou à Amadora mais do que 3.073 pessoas. São números vergonhosos, que deviam fazer reflectir seriamente todos os agentes do futebol português.
Tenho para mim que reside na televisão, designadamente no excesso torrencial de transmissões directas que a Sport Tv leva à antena, a razão para este aparente alheamento. Na verdade, os hábitos do adepto de futebol português alteraram-se radicalmente desde há uma década atrás, substituindo o bonito ritual da deslocação ao estádio -momento outrora de significativa socialização, onde não faltava a febra, a sandes de courato e a imperial – por uma nova forma de ver futebol, caseira, solitária, preguiçosa e comodista – comodismo e conformismo que aliás se estendem a outros e bem mais graves quadrantes da nossa vida em sociedade -, muito agarrada ao erro do árbitro, à análise do lance polémico, e despida de grande parte da emoção que só o ruído de um estádio pode propiciar. Não adianta muito remeter para os preços dos bilhetes todo o ónus deste problema, pois a situação socio-económica do país é, ainda assim, incomparável (para melhor) à de há vinte ou trinta anos, sendo que em 1990 me lembro de se venderem bilhetes a dez/quinze contos (50 /75 euros) para um Benfica-Marselha, e estarem 120 mil pessoas no estádio. O factor violência, tantas vezes referido, também não colhe, num país de brandos costumes e longe, muito longe da realidade italiana (ou inglesa de há uns anos) quanto a hooliganismo.
Tendo nascido e crescido com esse outro futebol, o de estádio, das enchentes, do farnel – ainda cheguei a transporter garrafões de vinho para a Luz… -, é com alguma desilusão que comparo, por exemplo, as assistências oficiosas do antigo Estádio da Luz na época em que foi fechado o Terceiro Anel, com as que hoje se verificam na Nova Catedral, as quais, mesmo em jogos internacionais, por vezes quase envergonham e renegam a memória do clube.
Em 1985-86, época durante a qual Portugal concretizou a sua adesão à então CEE, o Benfica realizou apenas dois jogos para as competições europeias, e em ambas as ocasiões quase esgotou a lotação: com a Sampdória estiveram na Luz 110 mil pessoas, e com o Dukla de Praga 120 mil. Para o campeonato, os encarnados contaram com o apoio de um estádio completamente lotado para os jogos com Porto e Sporting (120 mil, portanto), enquanto que para a Taça de Portugal, onde caprichosamente receberam também os dois rivais, tiveram assistências de respectivamente 100 mil e 95 mil pessoas. Na recepção ao V.Guimarães, a Luz teve uma impressionante moldura de 100 mil espectadores. Nos restantes jogos do campeonato, as assistências variaram entre os 60 e os 90 mil adeptos. A média, soma mais de 80 mil pessoas por jogo, valor que nas temporadas imediatamente seguintes não terá certamente sido menor – no ano seguinte o Benfica seria campeão, e em 1987-88 chegou à final da Taça dos Campeões Europeus.
Esta temporada, mais de duas décadas depois, o clube da Luz apresenta uma assistência média de pouco mais de 40 mil pessoas por jogo, e mesmo assim é o clube nacional que, de longe, mais espectadores atrai aos estádios (seu e dos outros). Ou seja, em vinte anos, o número de espectadores reduziu-se para metade (no Benfica), e provavelmente para bem menos de metade em muitos dos clubes que disputam a liga principal. E é bom nem falar das divisões secundárias, onde suponho que de assistências médias à volta das mil ou duas mil pessoas, se tenha passado para a centena ou duas centenas, isto é, dez vezes menos (!!), embora no caso não disponha de números para concretizar uma comparação suficientemente rigorosa.
Não me peçam que, como solução, sugira muito mais que aquilo que aqui fiz num texto a propósito dos quadros competitivos do futebol português. Na verdade, algumas das propostas que então deixei poderiam decerto contribuir para uma maior atractividade do futebol enquanto espectáculo de estádio. Mas a grande questão a debater, e a solucionar, passa pela relação da televisão com o futebol, e que neste momento se situa num plano completamente assimétrico e adulterado - temos um futebol cada vez mais pobre e endividado, e uma Olivedesportos cada vez mais rica, comendo a carne e os ossos de um fenómeno cujo crescente mediatismo contrasta com o alheamento e a indiferença dos adeptos face ao espectáculo em si.
Qual a audiência televisiva de um Sunderland-West Ham ? e de um Paços de Ferreira-Naval ? Porque são transmitidos ? Cinco jogos por fim-de-semana não seria já um número suficiente para o mais fanático dos adeptos saciar a sua paixão ? Enfim, estas e outras questões poderão explicar alguma coisa. É que os aspectos culturais são os mais difíceis de mudar, e está já bem implementada, em Portugal, a cultura do desprezo pelo estádio, de comodismo televisivo, de negação do futebol enquanto espectáculo de massas - conheço pessoas que deixaram de ser sócias dos seus clubes para passarem a pagar a mensalidade da Sport Tv. Sobretudo entre os mais jovens chega a ser chocante o nível que atinge o desprezo pelo estádio, que gerações atrás era o epicentro da vivência desportiva de todos os adeptos, sobretudo se não se trata da Luz, de Alvalade ou do Dragão. Para além das questões meramente financeiras, há que lembrar o quanto perde, em termos de espectacularidade, e até em termos de motivação dos jogadores, um jogo com as bancadas vazias.
Nota-se da parte da Liga de Clubes uma crescente preocupação com este problema, o que não deixa de ser um sinal positivo. Mas é também necessário que os próprios adeptos interiorizem outro tipo de mentalidade, pela qual apoiar um clube não é, de todo, vê-lo jogar na televisão. Nada como um estádio, uma tarde de sol (ou uma noite de luar), o ritual da fila para os bilhetes, a bifana, a imperial, o convívio com amigos, os gritos das bancadas, o colorido incomparável, para além da privilegiada perspectiva de análise do jogo – em todos os seus aspectos, à excepção das questões de arbitragem -, para consumar a ligação do adepto com o clube, e com o fenómeno que tanto o apaixona.
No meu ponto de vista, apesar de toda a algazarra mediática em torno dos erros dos árbitros - muito potenciada por anos e anos de resultados adulterados e suspeição generalizada -, aquilo que mais tem tirado beleza aos espectáculos, que mais cinzentismo lhes tem creditado, é sem dúvida a ausência de público nas bancadas dos estádios. Seja à noite, seja de dia, seja ao domingo ou ao sábado, o que é certo é que as pessoas deixaram de ir aos estádios em Portugal, constituindo as bancadas vazias, lamentavelmente, uma das imagens de marca do nosso futebol.
Estive a consultar as assistências desta temporada, e é dramático perceber que, à excepção dos três grandes - e do caso particular do Vitória de Guimarães - os estádios portugueses registam uma média que não andará longe (contas por alto) dos dois ou três mil espectadores por partida. Tendo em conta que temos vários estádios com lotação para quinze, vinte e trinta mil pessoas, o panorama das bancadas torna-se invariavelmente desolador, algo que se não vê, não só em Espanha, Inglaterra, Itália, mas também na Holanda, na Bélgica, em França, na Grécia, na Turquia ou na Escócia, ou em todos os países nos quais o futebol tenha um impacto desportivo e social relevante.
Mesmo nos jogos em que participam os grandes clubes, a situação está muito longe de ser minimamente razoável. Assistiram, por exemplo, ao Nacional-Sporting 1.875 pessoas, ao Paços de Ferreira-Porto 2.689, e no mesmo estádio, a visita do popular Benfica não mobilizou mais de 3.016 espectadores, mesmo jogando-se, neste caso, a um dos primeiros dias do mês. Já nesta última jornada, o comandante isolado da Liga, com uma brilhante campanha nacional e internacional, não levou à Amadora mais do que 3.073 pessoas. São números vergonhosos, que deviam fazer reflectir seriamente todos os agentes do futebol português.
Tenho para mim que reside na televisão, designadamente no excesso torrencial de transmissões directas que a Sport Tv leva à antena, a razão para este aparente alheamento. Na verdade, os hábitos do adepto de futebol português alteraram-se radicalmente desde há uma década atrás, substituindo o bonito ritual da deslocação ao estádio -momento outrora de significativa socialização, onde não faltava a febra, a sandes de courato e a imperial – por uma nova forma de ver futebol, caseira, solitária, preguiçosa e comodista – comodismo e conformismo que aliás se estendem a outros e bem mais graves quadrantes da nossa vida em sociedade -, muito agarrada ao erro do árbitro, à análise do lance polémico, e despida de grande parte da emoção que só o ruído de um estádio pode propiciar. Não adianta muito remeter para os preços dos bilhetes todo o ónus deste problema, pois a situação socio-económica do país é, ainda assim, incomparável (para melhor) à de há vinte ou trinta anos, sendo que em 1990 me lembro de se venderem bilhetes a dez/quinze contos (50 /75 euros) para um Benfica-Marselha, e estarem 120 mil pessoas no estádio. O factor violência, tantas vezes referido, também não colhe, num país de brandos costumes e longe, muito longe da realidade italiana (ou inglesa de há uns anos) quanto a hooliganismo.
Tendo nascido e crescido com esse outro futebol, o de estádio, das enchentes, do farnel – ainda cheguei a transporter garrafões de vinho para a Luz… -, é com alguma desilusão que comparo, por exemplo, as assistências oficiosas do antigo Estádio da Luz na época em que foi fechado o Terceiro Anel, com as que hoje se verificam na Nova Catedral, as quais, mesmo em jogos internacionais, por vezes quase envergonham e renegam a memória do clube.
Em 1985-86, época durante a qual Portugal concretizou a sua adesão à então CEE, o Benfica realizou apenas dois jogos para as competições europeias, e em ambas as ocasiões quase esgotou a lotação: com a Sampdória estiveram na Luz 110 mil pessoas, e com o Dukla de Praga 120 mil. Para o campeonato, os encarnados contaram com o apoio de um estádio completamente lotado para os jogos com Porto e Sporting (120 mil, portanto), enquanto que para a Taça de Portugal, onde caprichosamente receberam também os dois rivais, tiveram assistências de respectivamente 100 mil e 95 mil pessoas. Na recepção ao V.Guimarães, a Luz teve uma impressionante moldura de 100 mil espectadores. Nos restantes jogos do campeonato, as assistências variaram entre os 60 e os 90 mil adeptos. A média, soma mais de 80 mil pessoas por jogo, valor que nas temporadas imediatamente seguintes não terá certamente sido menor – no ano seguinte o Benfica seria campeão, e em 1987-88 chegou à final da Taça dos Campeões Europeus.
Esta temporada, mais de duas décadas depois, o clube da Luz apresenta uma assistência média de pouco mais de 40 mil pessoas por jogo, e mesmo assim é o clube nacional que, de longe, mais espectadores atrai aos estádios (seu e dos outros). Ou seja, em vinte anos, o número de espectadores reduziu-se para metade (no Benfica), e provavelmente para bem menos de metade em muitos dos clubes que disputam a liga principal. E é bom nem falar das divisões secundárias, onde suponho que de assistências médias à volta das mil ou duas mil pessoas, se tenha passado para a centena ou duas centenas, isto é, dez vezes menos (!!), embora no caso não disponha de números para concretizar uma comparação suficientemente rigorosa.
Não me peçam que, como solução, sugira muito mais que aquilo que aqui fiz num texto a propósito dos quadros competitivos do futebol português. Na verdade, algumas das propostas que então deixei poderiam decerto contribuir para uma maior atractividade do futebol enquanto espectáculo de estádio. Mas a grande questão a debater, e a solucionar, passa pela relação da televisão com o futebol, e que neste momento se situa num plano completamente assimétrico e adulterado - temos um futebol cada vez mais pobre e endividado, e uma Olivedesportos cada vez mais rica, comendo a carne e os ossos de um fenómeno cujo crescente mediatismo contrasta com o alheamento e a indiferença dos adeptos face ao espectáculo em si.
Qual a audiência televisiva de um Sunderland-West Ham ? e de um Paços de Ferreira-Naval ? Porque são transmitidos ? Cinco jogos por fim-de-semana não seria já um número suficiente para o mais fanático dos adeptos saciar a sua paixão ? Enfim, estas e outras questões poderão explicar alguma coisa. É que os aspectos culturais são os mais difíceis de mudar, e está já bem implementada, em Portugal, a cultura do desprezo pelo estádio, de comodismo televisivo, de negação do futebol enquanto espectáculo de massas - conheço pessoas que deixaram de ser sócias dos seus clubes para passarem a pagar a mensalidade da Sport Tv. Sobretudo entre os mais jovens chega a ser chocante o nível que atinge o desprezo pelo estádio, que gerações atrás era o epicentro da vivência desportiva de todos os adeptos, sobretudo se não se trata da Luz, de Alvalade ou do Dragão. Para além das questões meramente financeiras, há que lembrar o quanto perde, em termos de espectacularidade, e até em termos de motivação dos jogadores, um jogo com as bancadas vazias.
Nota-se da parte da Liga de Clubes uma crescente preocupação com este problema, o que não deixa de ser um sinal positivo. Mas é também necessário que os próprios adeptos interiorizem outro tipo de mentalidade, pela qual apoiar um clube não é, de todo, vê-lo jogar na televisão. Nada como um estádio, uma tarde de sol (ou uma noite de luar), o ritual da fila para os bilhetes, a bifana, a imperial, o convívio com amigos, os gritos das bancadas, o colorido incomparável, para além da privilegiada perspectiva de análise do jogo – em todos os seus aspectos, à excepção das questões de arbitragem -, para consumar a ligação do adepto com o clube, e com o fenómeno que tanto o apaixona.
LF
ResponderEliminarEsse é um problema muito grande, o publico nos estadios, eu penso, que os dirigentes deveriam pensar nisso
Os organizadores dos jogos da LPFP, têm de tentar perceber quais os motivos
Será a Sportv, que transmite jogos a mais, quais são as hipotesses de proibir a transmição desses jogos ?
Será um problema economico do povo português ?
Será que preços simbólicos, traria mais gente ao futebol ?
Será um problema do estilo de jogo, ou de fraco rendimento das equipas, ou dos arbitros
Eu acho que este problema é tipo "pescada com o rabo na boca", os clubes estão a viver á base das receitas televisivas, em especial da Sportv, se entram em conflito com esta estação, como podem pagar as suas dividas, ou ordenados, alguns clubes já receberam a totalidade dos direitos televisivos pagos por essa estação
Penso, que em relação á Sportv pouco á a fazer, é esperar pelo fim dos contratos e depois entrar em acordo, mas isso dever feito pelo governo, pois a Liga profissional e os clubes dependem muito dessas verbas
Nas divisões segundáras, o problema é qualidade do jogo e o elevado preço dos bilhetes, por exemplo há um clube da 1ª divisão dos distritais de Évora (pelo menos este eu sei) que não tem a verdonha de pedir 10 € para se ver um jogo de "coxos" e de caceteiros, num campo sem o minimo de qualidade, quer para espectadores, quer para os próprios jogadores, mas está todo vedado para pedirem o dinheiro
Outro dos problemas, como já foi referido no seu Blog, é organização das provas e o seu modo de agrupar as equipas, em divisões sem sentido nenhum
Se pensarem em mudar este estado das coisas em Portugal, tem de haver muito trabalho de organização, regras muito claras e cedências de ambas as partes, acordos com o Governo, Ligas, Clubes, TVs e patrocinadores
Têm de se reunir todos e serem sérios, nas propóstas que irão apresentar, a pensar em todos e em especial no publico, que ao fim disto tudo é quem paga
O problema económico era muito mais acentuado nos anos 80, em que havia taxas de inflação de dois dígitos, e não havia a almofada do euro e da União Europeia.
ResponderEliminarÉ verdade que os clubes não podem viver sem as receitas televisivas, e obviamente que não defendo o fim do futebol na televisão.
Parece-me é que tem de haver regras, e algumas limitações.
Por exemplo, porque não são transmitidos apenas 3 jogos da Liga portuguesa, 1 de Espanha e 1 de Inglaterra ? Não chegava ?
Seria importante também limitar e regulamentar os horários:
Porque não transmitir apenas jogos na tv ao domingo, e passar todos os campeonatos nacionais para o sábado, ou vice versa ?
Enfim, são apenas sugestões. Haverá outras formas.
Quanto aos preços, obviamente que também teriam de ser revistos, sobretudo situações como a desse clube do distrital.
A mim também já me pediram 15 euros para ver um Lusitano-Juventude da 3ª divisão !!!!!