Os jogadores do Nacional facilitaram, e o jogo deveria ser
investigado; O Benfica não teve fair-play, pois devia ter abrandado logo
que a vitória ficou garantida; A Liga Portuguesa não tem competitividade, e há que fazer
algo para evitar estas goleadas.
Foram estas, basicamente, as incríveis e iluminadas linhas
de opinião que, regalados, tivemos oportunidade de ler e ouvir por aí no
rescaldo dos 10-0 ao Nacional. À falta de argumentos, e perante a necessidade
de, fosse como fosse, desacreditar o mérito do Benfica, comentadores e escribas
afectos aos clubes rivais (e não só) contorcionaram-se até conseguir dizer
alguma coisa sobre o jogo e o resultado, que não fosse admitir que a equipa
encarnada está num grande momento e parece imparável a caminho de grandes
conquistas.
Os argumentos são desmontáveis até por uma criança de 5
anos. Se os jogadores do Nacional estivessem subornados ou quisessem facilitar,
obviamente perderiam por 1-0 ou 2-0, sem dar nas vistas, ou então a equipa jogaria
sem 9 titulares como o também madeirense União fez há umas temporadas atrás em
Alvalade. Alí mesmo, em Alvalade, na semana anterior, os encarnados só não
chegaram a 6 ou 7 golos de diferença porque Deus não quis, mas ninguém se lembrou
de dizer que os jogadores do Sporting tivessem facilitado. Se o Benfica tivesse
abrandado com o Nacional, e perdesse o campeonato por diferença de golos, o que
não se diria por aí – e, já agora, porque é que o Sporting não abrandou aos 4-1 e chegou aos sete em 1986? Seria respeitar o adversário trocar bolas a meio-campo ao som dos olés
das bancadas? Ou chegar à baliza e voltar ostensivamente para trás? Ou
respeitar um adversário é, sempre, dar tudo em campo para lealmente o vencer da
forma mais brilhante possível? Enfim, uma vereadora qualquer, que nunca viu
futebol na vida, lembrou-se de escrever qualquer coisa, e a partir daí houve
quem tivesse interesse em pegar. Quanto à competitividade da Liga, o Sporting
sofreu para ganhar ao último classificado, o Porto empatou com o Moreirense
(que já havia ganho na Luz) e há três equipas no topo separadas por dois
pontos.
Que equipas como o Nacional (mas também o Feirense, o Aves,
o Setúbal, o Chaves, o Portimonense, o Tondela, o Santa Clara e por aí fora)
deveriam estar na 2ª divisão, isso há muito que defendo. Na verdade, em
Portugal, não há massa adepta para mais do que 8 ou 10 clubes de primeira
linha, e todos os restantes estão lá apenas para encher, sendo realidades
desportivas fictícias, sem adeptos, sem sócios, sem receitas (a não ser a
televisão e a visita dos grandes) e por vezes até sem instalações. Mas isso são
outros quinhentos, acontece há muitas décadas, e nem por isso algum deles levou
10-0 em mais de 50 anos.
O que aconteceu na Luz foi a conjugação de duas coisas: uma
tarde infeliz do Nacional (obviamente nenhuma equipa da Liga levaria 10-0 se jogasse bem),
e uma tarde inspiradíssima do Benfica, que realizou uma exibição sublime,
marcou 10, podia ter marcado 15, e desenvolveu lances de futebol de alto
quilate, como desde os primeiros tempos de Jorge Jesus não se viam naquele
estádio. Qualquer argumento que escape a esta realidade é mentiroso.
O que alguns não querem admitir é que o Benfica, que com
Rui Vitória parecia moribundo, renasceu das cinzas, e, com nota artística
elevadíssima está a aterrorizar quem lhe aparece pela frente. E Bruno Lage vai
passando com distinção testes atrás uns dos outros, revelando-se uma escolha acertadíssima.
Vamos ver se esta equipa de futebol maravilhoso, ganhador e
goleador chega até onde começa a prometer. A reconquista dos adeptos está
feita. Falta a dos títulos.