Está consumado o despedimento de Fernando Santos do Benfica. Uma vez mais imperou a lógica do futebol, segundo a qual a culpa é sempre do elo mais fraco, mesmo quando isso se afigura manifestamente injusto, e não constitui mais do que um sacudir de água do capote daqueles (daquele) em cuja esfera de actividade se encontram as razões de mais um fracasso anunciado.
Já na época passada a performance do Benfica tinha ficado claramente marcada pelas indefinições de plantel na pré-temporada, que custaram quase dez jornadas do campeonato em adaptações, e toda uma primeira volta da fase de grupos da Liga dos Campeões devastadora para o destino do clube na prova.
Pensava-se que o clube e a sua direcção tinham aprendido com os erros, como seria normal esperar de pessoas lúcidas e inteligentes. Puro engano. Se Fernando Santos pediu com bastante antecedência o plantel fechado no dia da apresentação (2 de Julho, recorde-se), a verdade é que quase dois meses decorridos, muitas entradas e saídas depois, tudo continua por definir, num processo de gestão desportiva verdadeiramente caótico a lembrar os piores tempos de Manuel Damásio e João Vale e Azevedo.

Pior que as saídas de Simão e Manuel Fernandes (ambos por valores muito abaixo daqueles que Porto e Sporting embolsaram com Pepe, Anderson e Nani), foi o timing em que as mesmas se deram, e o facto de não terem sido minimamente acauteladas – por exemplo, a estranhíssima dispensa de Karagounis só fazia sentido face ao regresso do agora jogador do Everton.
Escusado será lembrar a importância que estes dois elementos teriam nos planos de Fernando Santos, que viu o campeonato iniciar-se com apenas um defesa central disponível no plantel, e com vários jogadores jovens e sem qualquer experiência de futebol europeu ao mais alto nível (ainda que anunciados e promovidos na imprensa como grandes vedetas internacionais) a terem de sustentar um onze que viu fugir (com Simão, Miccoli, Karagounis/Manuel Fernandes, entre outros) grande parte da sua força competitiva e capacidade criativa.
Partindo de uma situação estabilizada, com um plantel razoável ao qual faltaria apenas um grande avançado (que seria Cardozo) e algumas soluções de banco (Zoro, Bergessio, Coentrão), e um modelo de jogo definido e automatizado (ainda que à custa de uma época de insucessos), a direcção do Benfica “conseguiu”, em apenas dois meses, desmantelar toda essa vantajosa condição, numa sucessão de erros que de tão grassa incompetência e estranheza, quase parecem tender a situar-se no âmbito da sabotagem.
Torna-se revoltante para os adeptos do Benfica, e por maioria de razão para Fernando Santos, terem ouvido e lido anunciar que o Benfica não deixaria sair nenhum dos seus jogadores nucleares, e que pelo contrário se reforçaria bastante – o que era (e é) imperioso de modo a encurtar distâncias para o F.C.Porto, era oportuno face às transferências que os portistas, em devido tempo, efectuaram, proporcionando assim uma oportunidade de re-equilíbrio de forças, e até dada altura, com a contratação de Cardozo, parecia ser uma verdade capaz de transformar o clube da Luz no grande favorito ao título de 2007/2008 -, verificando agora que afinal, se de facto o banco de suplentes da Luz foi reforçado com alguns jovens valores em busca de afirmação, foi-o insensatamente à custa da saída de titulares indiscutíveis, entre os quais os três melhores jogadores da última época (Simão, Miccoli e Karagounis), e num processo levado a cabo sem qualquer orientação estratégica palpável, carregado de avanços e recuos, indefinições e dúvidas, equívocos e erros.
Não bastava a OPA e as declarações de Berardo, não bastava a mal explicada saída de José Veiga. A pré época dos encarnados foi de uma turbulência constante, com contratações como as de Sretenovic ou Andrés Diaz, a manutenção indefinida no plantel de jogadores dispensados como Manú e Marco Ferreira, a chegada de jogadores lesionados como Di Maria, a gestão catastrófica o dossier-Anderson (o Benfica ficou sem o jogador, que bem falta faz, e sem dinheiro), para além dos já amplamente falados casos de Simão e Manuel Fernandes - a propósito, não deixa de ser estranho a inusitada quantidade de jogadores que nos últimos tempos se têm manifestado insatisfeitos na Luz, o que para um clube com o historial do Benfica, dá bastante que pensar.
A pré-época do Benfica foi um verdadeiro compêndio de tudo o que se não deve fazer com uma equipa profissional de futebol, o que juntando à infelicidade (?) de algumas lesões, criou um panorama dramático e torturante, ao qual poucos ou nenhum treinador do mundo estariam em condições de corresponder. As palavras do experiente Nuno Gomes (também ele vítima de estranhos propósitos de venda) sublinham aliás esta evidência.
Não sei como é possível Luís Filipe Vieira (que nem esteve no Bessa) afirmar, sem se rir, ser este o melhor plantel dos últimos anos (será até provavelmente o pior). O Benfica é um clube popular, com a sua massa associativa constituida em grande parte por pessoas pobres e humildes, mas o seu presidente não pode nunca confundir humildade com ignorância ou estupidez, como nos últimos tempos cada vez mais parece ser o caso.
O Benfica conquistou um campeonato em quinze anos. Leva dois terceiros lugares seguidos (provavelmente vai a caminho do terceiro, isto se o Braga permitir…), e a sua gestão desportiva permanece num registo de amadorismo e voluntarismo que vai afundando progressivamente o clube. Há hoje um crescente fosso entre, por um lado, o prestigio do Benfica, o seu historial, a sua marca,o seu palmarés e a sua grandiosidade, e por outro, a sua confrangedora prestação desportiva, que se vai repetindo ano após ano, em contraste com uma retórica megalómana e populista completamente desfasada de uma realidade deprimentemente e longe dos títulos.

O Benfica viu nos últimos anos sair das suas fileiras grandes jogadores como Fernando Meira, Tiago, Miguel, Ricardo Rocha, Geovanni (que grande golo ao Man. United !), Manuel Fernandes, Simão Sabrosa. Também Karagounis, Miccoli, Anderson, entre outros. Foi-se a mística, foi-se a qualidade. Quase todos foram mal vendidos, ou mesmo oferecidos. Veja-se quem entrou, e a que preços. Atente-se também na absurda quantidade total de entradas e saídas do plantel (uma média de vinte por ano entre mercados de verão e inverno) desestabilizando constantemente o grupo de trabalho, destruindo a sua coesão e gerando anti-corpos.
Se culpas tem o engenheiro são as de não ter sido mais firme sempre que lhe foram perturbando o trabalho - no lugar dele ter-me-ia demitido no dia em que saiu Manuel Fernandes, mas talvez o seu benfiquismo falasse mais alto. Ao deixar-se enredar na linha do presidente, ao confundir o seu discurso com o dele, Fernando Santos juntou-se ao problema, em vez de forçar a solução. Está-lhe assim reservado o destino dos fracos e dos titubeantes. Apesar de inocente, não vai deixar saudades na casa que queria sua.
Veremos o que impõe Camacho a Luís Filipe Vieira. Com esta equipa, sem vários e bons reforços não creio que o espanhol queira sequer trabalhar por muito tempo. Faltam dez dias para fechar o mercado, e o Benfica, que necessita urgentemente de pelo menos três ou quatro jogadores (e espero bem que o caro, aburguesado e indisciplinado Rochemback não seja um deles), nem director desportivo tem, sendo o presidente, com os conhecimentos de futebol que estão à vista de todos, a ter de realizar essa tarefa, numa fase em que os grandes jogadores estão colocados, e sabendo-se como o desespero é mau conselheiro.
Muito dificilmente o Benfica será capaz de construir um plantel à altura das suas ambições. Muito dificilmente se libertará em tempo útil do peso de todas estas convulsões. Mais uma vez se vai voltar à estaca zero. Mais uma vez sem se ter ganho nada.
A época parece irremediavelmente comprometida. E o futuro ? Estará também ?