A milionária transferência do central Ricardo Rocha para o Tottenham da Premier League, sendo inegavelmente um excelente negócio sob o ponto de vista económico financeiro – um defesa de 28 anos por quase seis milhões de euros é sempre bem vendido -, levanta ao Benfica algumas questões do âmbito desportivo, quer a nível conjuntural, quer estrutural, leia-se, em termos de estratégia desportiva de fundo.
No curto prazo a equipa de Fernando Santos fica, depois da saída de Alcides e a seis dias do encerramento do mercado, com o exíguo número de dois defesas centrais, não

tendo sequer no plantel médios ou laterais com capacidade e experiência para desempenhar a função, situação absolutamente insustentável para quem tenha o mínimo de ambições no competitivo futebol actual. Será difícil ao Benfica contratar um central de qualidade neste timing e com esta pressão, pelo que a alternativa mais sensata passaria por reaver os emprestados José Fonte e André Luíz (caso ainda tenha contrato com o clube da Luz), levando em consideração que Luisão e Anderson garantem, em condições normais, a titularidade. O problema não passa só pelo centro da defesa pois do seu lado direito a única opção de momento é Nelson. Aliás, quando o técnico do Benfica dizia que trabalhava com um plantel demasiado longo, dificilmente imaginaria que a sua diminuição fosse à custa de elementos como Moretto, Alcides, Ricardo Rocha, Beto, Nuno Assis ou Kikin Fonseca, que por esta ou aquela razão, de forma confirmada ou não, estarão ou deverão estar fora das suas opções para o que resta de temporada.
Mas o mais preocupante de mais esta (s) saída (s) passa pela autêntica sangria que se tem verificado no Benfica desde que, há cerca de ano e meio conquistou o título nacional, depois de onze anos de jejum. De todo o plantel encarnado dessa temporada apenas restam os guarda-redes Moreira e Quim, e os jogadores de campo Luisão, Petit, Nuno Gomes, Mantorras e, por enquanto, Simão. Parece impossível mas foi apenas há 20 meses !
É verdade que se tratava de um plantel com bastantes limitações, que foi campeão com mais suor que classe e à custa de muito sofrimento. Mas também é verdade que se tratava de uma equipa profundamente disciplinada,coesa e unida, com um balneário amplamente fortalecido na sequência da trágica morte de Miki Fehér, alicerçado depois nas conquistas da Taça de Portugal de 2004 e da Liga de 2005, força essa que provavelmente terá sido menorizada pelos responsáveis benfiquistas na hora de planear um futuro que se esperava de reencontro com a glória perdida.
Se a venda de Tiago, ainda antes do título, foi uma boa oportunidade de negócio - ainda que precipitada e condicionada pela guerra entre o jogador e José Veiga - e se à saída de Miguel a direcção encarnada terá sido praticamente alheia, já os abandonos de Manuel Fernandes, Geovanni, Karadas, João Pereira, Bruno Aguiar, Fyssas, Dos Santos, Armando (Quim, Nuno Assis, Mantorras e Simão por pouco não saíram) entre outros, nunca pareceram devidamente equacionados, parecendo sempre haver uma subliminar tentação de encher o plantel de nomes sonantes (Karyaka, Karagounis, Fonseca, Laurent Robert etc) ou outros que nem tanto (Marco Ferreira, Manduca, Marcel, Diego Souza, Paulo Jorge etc) que pouco ou nada trouxeram ao clube, e acabaram por representar, mesmo se de modo involuntário, o desmantelar do extremamente saudável espírito que conduziu ao título.
Há que dizer que nem tudo foi mau daí para cá, e nomes como Miccoli, Léo, Anderson, Nelson e mais recentemente Katsouranis, constituíram de facto mais valias para a equipa encarnada. Todavia no balanço entre as boas e as más opções, depois de um período (2001 a 2005) em que a política desportiva do Benfica fora quase perfeita à luz da reconstituição de uma mística capaz de levar o clube do volta aos títulos, não houve discernimento nem capacidade para dar o passo seguinte, com o qual o Benfica, mesmo sem gastar mais dinheiro do que aquele que gastou, teria hoje inquestionavelmente assumido a hegemonia do futebol português, e apresentar-se-ia à Europa como uma potência emergente, capaz de ombrear com o lote de equipas que pululam nas costas dos grandes potentados de Espanha e Inglaterra.
Faltou essa visão, a contratação de Koeman também não ajudou pois tratou-se de alguém que friamente ignorou todos os aspectos identitários que o clube tanto trabalho havia tido em recuperar, e chegou-se a um ponto em que o Benfica se voltou a distanciar do F.C.Porto no panorama futebolístico luso (depois de o ter tido à mercê), voltou a despedir-se cedo dos títulos, voltou a vacilar com regularidade, gastando dinheiro em reforços aburguesados e opulentos que nada mais voltaram a conquistar para o clube e, pelo andar da carruagem, dificilmente o voltarão a fazer esta temporada.

Recorde-se a propósito que o Benfica desde Julho de 2004 (saída de Camacho da Luz) fez entrar no seu plantel os seguintes jogadores: Yannick, Amoreirinha, Everson, Paulo Almeida, Karadas, Dos Santos, Alcides, Bruno Aguiar, Carlitos, André Luíz, Delibasic, Nuno Assis, Alex, Hélio Roque, Tiago Gomes, João Vilela, Léo, Nelson, Rui Neréu, Bruno Costa, Anderson, Beto, Karyaka, Karagounis, Miccoli, Moretto, Marcel, Manduca, Marco Ferreira, José Fonte, Laurent Robert, José Rui, Ricardo Janota, Inzaghi, Pedro Correia, Diego Souza, Canales, Patafta, Rui Costa, Miguelito, Katsouranis, Paulo Jorge, Manu, João Coimbra e Kikin Fonseca. Quarenta e cinco (!!!) ao todo.
Por seu lado no mesmo período (apenas dois anos e meio) saíram: Tiago, Armando, Hélder, Fernando Aguiar, Bossio, Ednilson, Carlitos I, Argel, Zahovic, Yannick, Sokota, Amoreirinha, Paulo Almeida, Karadas, Dos Santos, Fehér, Roger, Cristiano, Alcides, Bruno Aguiar, Carlitos II, André Luíz, Delibasic, Alex, Hélio Roque, Tiago Gomes, João Vilela, João Pereira, Fernando Alexandre, Rui Neréu, Bruno Costa, Marcel, Manduca, José Fonte, Laurent Robert, José Rui, Ricardo Janota, Inzaghi, Diego Souza, Canales, Kikin Fonseca, Geovanni, Miguel, Manuel Fernandes, Fyssas e Ricardo Rocha. Quarenta e seis portanto, caso não me tenha esquecido de nenhum, e fora o que aí vem (Moretto ?, Beto ?, Karyaka ? Marco Ferreira ?)
Se observarmos ambas as listas com atenção, verificamos que grande parte dos nomes coincide, ou seja, grande parte dos jogadores que entraram voltaram a sair pouco tempo depois. A maioria dos jogadores entrados não acrescentou portanto nada ao Benfica. Nem chegará a 20 % a percentagem daqueles que revelaram efectivamente qualidades para triunfar na Luz.
Esta análise conduz-nos por sua vez a um olhar mais denso sobre o Benfica actual, trazendo à memória exemplos de realizações anunciadas mas que permanecem na gaveta do esquecimento. Nunca mais se falou do naming do estádio, nunca mais se falou do canal de televisão, as modalidades amadoras, ainda que com fortes investimentos, permanecem fora da órbita dos principais títulos, episódios como os dos bilhetes para o jogo com o F.C.Porto vão acontecendo com a maior naturalidade, o departamento médico continua dentro dos mais estranhos parâmetros da mediocridade, a mal calculada intervenção da direcção no caso Nuno Assis apenas serviu para aumentar a pena de seis meses para um ano, o negócio de Manuel Fernandes foi de uma ingenuidade extrema afastando um activo de grande potencial sem receber praticamente nada em troca, Geovanni foi oferecido, a contratação de jogadores continua envolta em enormes e constantes especulações com dezenas de nomes enchendo as páginas dos jornais, etc etc. Parece que toda aquela força que emanava dos anos iniciais de Luís Filipe Vieira à frente do clube se está a desvanecer. Cansaço ? Talvez. Mas num clube com a dimensão e as ambições do Benfica parar é morrer. E a verdade é que o Benfica parece momentaneamente parado.
Sempre defendi esta direcção, chegando a considerá-la como uma das melhores de sempre no clube. Espero bem que os próximos tempos não me façam arrepender das minhas palavras, e sejam capazes de recolocar o clube no rumo em que se encontrava no dia 22 de Maio de 2005, quando se sagrou no Estádio do Bessa, campeão nacional.
Parece ter sido há já tanto tempo…