Ouviu-se música em Salzburgo. Não exactamente valsa, mas sim tango,
interpretado por um inspiradíssimo Di Maria – enfim a aparecer ao seu melhor
nível, mostrando que, além de poder resolver num instante de magia, pode também
carregar uma equipa ao colo durante noventa minutos. Marcou, assistiu (vários
golos cantados, só um aproveitado), driblou, desequilibrou, encantou. De longe,
a sua melhor exibição nesta temporada, e a fazer recordar tempos antigos do
craque argentino. Fundamental neste apuramento do Benfica para a Liga Europa. No fim, a festa foi consumada com um precioso toque de samba, que garantiu o resultado necessário, e permitiu a redenção do improvável Arthur Cabral
- que precisava de um momento como este para sair da mediocridade que
apresentara até agora. A extensão e a sustentabilidade dessa saída ver-se-ão
nas próximas semanas. Mas por agora pode, pelo menos, colocar-se um ponto final
no triste episódio da garagem. O brasileiro falhou a chicuelina de Moreira de Cónegos,
falhou a bicicleta com o Farense, mas num momento ainda mais importante, também foi
capaz de acertar, e de calcanhar, em Salzburgo.
Para além disto, (que já não era pouco) viu-se na Áustria o melhor
Benfica da época. Dir-se-ia que só agora, na última jornada, os encarnados jogaram verdadeiramente à Champions. Uma equipa intensa e ambiciosa desde o primeiro minuto,
certeira nas triangulações – sobretudo pela meia-direita -, e capaz de chegar
com muito perigo à área adversária. As oportunidades de golo foram-se
sucedendo. Contei quinze, entre as quais alguns desperdícios quase caricaturais
de Rafa, felizmente sem consequências no resultado final. Tivesse sido este o registo exibicional em todos os restantes jogos do grupo, e o apuramento seria para outra prova. Isso já não era possível, e o que estava em cima da mesa foi arrebatado com um valente ponto de exclamação.
O RB Salzburg não é um tubarão, mas é a melhor equipa do seu país, denota enorme frescura atlética, tem jogadores talentosos e pratica um futebol rápido e incisivo. Ganhou em Lisboa, e
ainda há pouco tempo empatou em San Sebastian, onde o Benfica havia sido toureado.
Ganhar 1-3 e criar tantas oportunidades naquele estádio não é fácil (nunca o é numa partida de Champions), pese embora comentadores televisivos
desesperadamente agarrados à “crise” do Benfica tentassem, no pós-jogo, e por
entre uma azia indisfarçável, desvalorizar este triunfo: exibição “lamentável”
do Salzburg, afirmou Maniche (quem achou que um indivíduo sem imagem, sem
dicção e com o cérebro tamanho de uma azeitona podia ser comentador televisivo?), que
acrescentou que os jogadores do Benfica não podiam estar felizes com o fracasso
desta Champions (como se isso estivesse em causa neste jogo); adversário “muito ingénuo” disse Nuno Presume, ao mesmo tempo de tentava demonstrar num vídeo que todos os golos do Benfica tinham sido originados por falhas (como se houvesse golos sem falhas); alguém acrescentou (não me recordo se a mesma criatura) que os encarnados estavam obrigados a golear este RB Salzburg, e que um golo nos
últimos segundos significava, mais ou menos, uma derrota, pois a equipa
estivera à beira da eliminação (raciocínio que considero absolutamente
delirante). Nada a que não estejamos habituados, e que não dê até um certo gozo
de assistir.
Eu falo por mim, e digo que este foi, à excepção da
qualificação de 2005-06 frente ao Manchester United na Luz, o mais saboroso
fim de fase de grupos de que me recordo. Porque era muito importante o
Benfica manter-se nas provas internacionais, porque esta edição da Liga Europa
me parece particularmente apetecível, e pela forma como aconteceu.
Individualmente, para além de um super-Di Maria, e de um finalmente certeiro Arthur Cabral, tivemos o João Neves habitual (leia-se genial), um
Aursnes cada vez mais adaptado ao lugar, e um Rafa que, embora muito perdulário, soube criar ele próprio algumas das situações que desperdiçou,
marcando num momento extremamente importante. Creio que a entrada de Musa também
se fez sentir, pois Tengstedt esteve bastante infeliz na primeira parte.
Em sentido negativo, além de Tengstedt, destacaria, sobretudo, Kokçu, que tarda em afirmar a sua inegável qualidade. Não faz a diferença que se esperava com bola, e é irritantemente macio sem ela - se se fala de erros nos golos, também o do RB Salzburg teria de encontrar no médio turco bastantes responsabilidades. Continuo a achar que Florentino e João Neves são a dupla de médios que mais garantias dão a esta equipa.
Enfim, foi a primeira noite europeia à Benfica desta temporada. Esperam-se mais, mas agora há que transportar toda esta energia positiva para Braga. O
adversário é diferente (sobretudo no plano táctico), mas um Benfica com esta alegria,
com esta vivacidade, e com a inspiração das suas principais figuras,
dificilmente perderá na cidade dos arcebispos.