Confesso que, aos 45 anos de idade, o mundo do futebol ainda consegue
surpreender-me pela negativa.
Aquilo que me intriga é o seguinte: o que faz com que um profissional,
em final de carreira, com situação financeira confortável e futuro assegurado, despedace
uma imagem construída ao longo de quase uma década, ignore olimpicamente a
paixão de milhões de adeptos, volte as costas à possibilidade de inscrever o
nome na história junto das grandes lendas, e feche uma porta que poderia vir a abrir-se
no futuro, tudo em troca de mais uns patacos no recibo de vencimento?
Não falo de um jovem com a carreira por construir. Também não falo de gente
com um ou dois anos de casa, sem o vínculo emocional que só o tempo robustece.
Nem de quem ganhe, vá lá, 100 mil euros por ano. Falo de alguém experiente,
respeitado como símbolo de um clube, e que já aufere dez vezes aquele valor.
Trouxe aqui o tema, a outro propósito, há umas semanas atrás. Nunca é
demais repetir: os montantes milionários que o futebol movimenta, e os gordos
salários que jogadores e treinadores de topo recebem, devem-se, exclusivamente,
à paixão dos adeptos. Um cirurgião ou um juiz não terão certamente menos
responsabilidades. Só não têm quem os idolatre, nem amor clubista que lhes
pague. Não perceber isto, é não perceber nada. Ignorar isto, é cuspir no próprio
prato.
Profissional não pode ser sinónimo de mercenário. Não é assim em
profissões menos recompensadas, pelo que jamais deveria sê-lo numa actividade
que deve tudo, mas mesmo tudo, aqueles que enchem os estádios, vibram com os
clubes, e choram na derrota e na vitória.
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