LADRÕES DE TAÇAS

Se não existe justiça no mundo, bem se pode dizer que o futebol faz questão de se apresentar por vezes como espelho fidedigno dessa realidade, em que aspectos como a sorte, o circunstancialismo e a aleatoriedade ditam leias. Ontem em Atenas tivemos um cabal exemplo de como frequentemente a equipa que melhor joga, que mais ataca, que mais remata, que mais posse de bola tem e que mais ocasiões de golo cria, se pode ver no final banhada nas lágrimas de uma derrota cruel e injusta.
Não retirando mérito à eficácia do Milan – ou não viesse de Itália -, o Liverpool foi a melhor equipa no relvado, e mereceria, pelo menos, que a decisão tivesse sido protelada até ao prolongamento.
Tudo correu mal aos ingleses, desde o momento em que sofreram os golos – o primeiro à beira do intervalo, o segundo três minutos após a entrada de Crouch -, até à fantástica exibição de Dida, à falta de pontaria dos seus rematadores ou à actuação do juiz alemão.
Não se depreenda daqui que foi um jogo excepcional. Não foi. O Liverpool tentou, desde o início, dar-lhe ritmo, velocidade e agressividade, mas deparou sempre com um não-Milan, apostado na especulação e no habitual cinismo com que as equipas italianas abordam estes momentos. Mas ao contrário do que é a imagem de marca do futebol transalpino, nem se pode dizer que desta vez o Milan tenha defendido bem, pois os erros cometidos foram muitos – sobretudo pelo lado de Jankulovski, de quem Pennant fez gato-sapato durante parte significativa do encontro -, e só por manifesta infelicidade os britânicos não foram capazes de os reflectir no marcador.
Em cima do intervalo, no seu primeiro lance de ataque, e na sequência de uma falta muito duvidosa, o Milan, através de um ressalto feliz, conseguiu inscrever uma enorme mentira no placard. Ao intervalo era verdadeiramente escandaloso que o Milan pudesse estar em vantagem no jogo.
Para a segunda parte pouco mudou. O Liverpool tentou, em vão, restabelecer a igualdade, mas com o decorrer do tempo sentiu-se que a frescura da equipa já não era a mesma. Kuyt aparecia muito sozinho na frente, e estranhamente Benitez só para os últimos dez minutos fez entrar Peter Crouch, erro que se revelou fatal.
Num lance de contra-ataque, o génio de Kaká descobriu a primorosa desmarcação de Inzaghi, e este, letal, bateu Reina e resolveu o jogo. Foi o momento mais bonito da partida, e o único, para além de três excelentes intervenções de Dida, em que o Milan se pode verdadeiramente orgulhar do que fez nesta final.
Ainda assim o Liverpool, embalado pela sua alma guerreira e pelas lições da história, conseguiu lançar alguma incerteza na partida, marcando finalmente por Kuyt na sequência de um canto. Faltava já muito pouco, e o coração falava mais alto que a cabeça. O árbitro alemão nessa fase também não ajudou, assinalando faltas por tudo e por nada, e dando apenas dois minutos e meio de descontos, quando se justificavam pelo menos quatro. Não foi assim possível aos “reds” levar a cabo mais uma remontada para a história, como a que lograram faz agora dois anos.
Com o apito final, os jogadores do Milan puderam então festejar o sétimo título europeu do clube. Merecido por aquilo que fizeram até chegar a esta final, mas muito, muito feliz pelo que se passou no Olímpico de Atenas.
Em termos individuais o homem do jogo foi clara e naturalmente Inzaghi, autor dos dois golos da sua equipa. Kaká esteve nos golos e salpicou com alguns pormenores de classe uma exibição globalmente apagada. Seedorf também pouco se viu. Dida, esse sim, esteve excepcional. Nota ainda para Maldini, que com quase 40 anos ainda levanta taças europeias com a mesma destreza com que o foi fazendo ao longo de uma brilhantíssima carreira.
Entre os ingleses Pennant fez uma primeira parte soberba, mas também Alonso e Kuyt poderam sair de cabeça bem erguida. Gerrard, que correu e batalhou muitíssimo, esteve sobretudo infeliz, pois nas três ou quatro ocasiões que teve de marcar, nunca conseguiu dar à bola o caminho das redes.
Do árbitro já ficou dito o essencial. Aliás, convém referir que os árbitros alemães não são nada do meu agrado. Já Markus Merk tem um estilo extremamente irritante para os adeptos (e certamente também para os jogadores), interrompendo o jogo por “dá cá aquela palha”, e estragando o espectáculo à boa maneira daquilo que frequentemente se vê em Portugal. Este Herbert Fandel segue a mesma cartilha – quase metade das faltas assinaladas não pareceram existir, entre as quais a que originou o primeiro golo.

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